1.6.09

das crianças


"O reflexo era deformado. Por mais que tentasse escapar, aquele reflexo perseguia-a. Não havia forma de o despistar e isso fazia-a sorrir.
Uma cara de feições estranhas e engraçadas, olhos esbugalhados e boca minúscula, pele de um vermelho vivo que ninguém tem. Ninguém que ela conhecesse.
A Maria estava fascinada a olhar para a bola de Natal pendurada na árvore. A única que a mãe já tinha colocado naquela imensidão de verde, só para ver aqueles olhinhos ainda mais brilhantes, depois de muitos ‘Oh mamã, vá lá. Põe só uma!’.
Sentada no chão da sala, ninguém a conseguia distrair. Do alto dos seus 4 anos, não disse nada a ninguém, pegou na sua boneca preferida (a Matilde, uma amiga para todos os momentos) e ali ficou, talvez a sonhar, talvez só a fazer caretas para ver o seu reflexo na bola vermelha que a mãe disse que era dela. É a bola da Maria. Só da Maria. O irmão Pedro ainda é muito pequenino para ter uma bola só para ele mas o entusiasmo dela valia pelos dois.
‘Maria, ajudas a mãe a pôr o resto das bolas na árvore.’
‘Espera mamã, agora não posso’.
Quem olhasse para ela nesse momento, via uma Maria de ar doce mas tão pensativa que os seus 4 anos pareciam ter-se multiplicado. A Maria estava a criar uma memória daquelas boas e doces, que só as bolas de Natal, perdão, só a nossa bola de Natal é capaz de deixar na gavetinha do subconsciente.
A Maria tem olhos grandes e cabelo escuro. A Maria tem pele rosada e macia. A Maria é a mana crescida do Pedro, tem uma bola vermelha só dela e que a faz sonhar ainda mais.
Na sala, uma grande árvore muito verde apenas com a bola vermelha da mana crescida do Pedro.
De vez em quando, a mãe ouvia-a balbuciar qualquer coisa mas não conseguia perceber de que se tratava. Falava baixinho, como se estivesse a contar um segredo e soltava risinhos envergonhados mas carregados de ternura.

‘Então Maria, não queres ajudar a mãe?’
A Maria pôs as mãozinhas no chão, levantou-se e, puxando a camisola da mãe, disse ‘Mamã, quando o mano for maior a minha bola vermelha fica para ele. Vai ser a minha prenda de Natal para o mano. Estive a contar-lhe uma história e quando a der ao mano, a bolinha conta-lhe a ele.’."
dezembro '04

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