27.5.09

desencontros


Tudo começou há 3 anos, numa festa de amigos comuns. O interesse de ambas as partes foi imediato. Passaram a noite a conversar sobre tudo e foram os últimos a sair, sem saberem como. Trocaram contactos e os meses seguintes foram intensos. Jantares, cinema, exposições, fins-de-semana improvisados, surpresas… Apaixonaram-se.
Um ano depois estavam a viver juntos, numa casa que demorou um olhar a ser escolhida. Adaptaram-se um ao outro como se fossem peças consecutivas de um puzzle. Encaixavam na perfeição.
Ambos eram quase exclusivamente dedicados ao trabalho, com horários demasiado preenchidos e agendas muito riscadas.
Passaram a falar menos, já não havia tempo para dar as mãos e os telefonemas durante o dia foram deixando de acontecer, excepto quando queriam avisar que iam chegar mais tarde a casa.
Ela não se apercebeu da situação, apesar das ocasionais chamadas de atenção da parte dele.

No dia em que comemoravam 3 anos, ele marcou um jantar no restaurante preferido de ambos e avisou-a com a devida antecedência.
De manhã ela saiu de casa apressada, apenas com tempo para um rápido beijo na testa e um ‘até logo’ gritado já da porta da rua.
O jantar estava marcado para as 20h. Ele chegou mais cedo ao restaurante para esperar por ela à porta. Às 20h30 ele entrou. Sentou-se, pediu um vinho e colocou um envelope debaixo do guardanapo dela. Passado algum tempo ligou-lhe mas ela não atendeu. Às 22h saiu do restaurante em direcção a casa, mas ainda caminhou durante algum tempo ao longo do rio antes de se dirigir ao carro.
Quando chegou a casa, tomou um duche, comeu os restos do dia anterior e colocou alguma roupa dentro do saco que costumava levar para o ginásio. Depois de dar várias voltas pela casa, como que á espera de algum sinal, de alguma coisa que lhe tivesse escapado e que o pudesse fazer mudar de ideias, pegou no saco e saiu.

Pouco passada da uma hora da manhã quando a porta se abriu. Ela tirou os sapatos para não fazer barulho, pousou a mala, tirou o casaco e dirigiu-se ao quarto. As luzes estavam todas apagadas. Quando os olhos se habituaram á escuridão, viu que ele não estava deitado. Estranhou. A caminho de casa tinha ligado para o restaurante e disseram-lhe que ele já tinha saído há muito tempo.
Acendeu a luz do quarto e viu uma túlipa vermelha junto á sua almofada, com um bilhete:

‘Neste momento não sou capaz de continuar assim. Vou passar uns dias a minha casa. Pensa bem no que realmente queres.’


Ela leu e releu o bilhete. Ligou-lhe para o telemóvel mas estava desligado. Não queria acreditar no que estava a acontecer. Andava demasiado absorvida pelo trabalho e, agora que pensava nisso, apercebia-se dos sinais que ele (por vezes sem grande subtileza mas sempre paciente) lhe tentava transmitir.
Será que o homem com quem partilhou os últimos anos já não a queria na sua vida? Será que havia outra pessoa? Fechou os olhos, abanou a cabeça e afastou essa possibilidade. Ele nunca faria isso.
Mas precisava de respostas. Ambos precisavam.
Ela, que tinha estado meses incontactável, queria agora voltar atrás, queria falar, queria mostrar o quanto ainda amava aquele homem, apesar de estar a perceber o quanto o tinha afastado.
Escorregou para o chão e chorou. Não estava habituada a não controlar as situações mas, acima de tudo, chorou por precisar de um abraço, o único que sempre lá esteve e que agora lhe faltava.
Adormeceu deitada no tapete, ao lado da cama, de cara vermelha e cabelos desalinhados, ainda vestida, mas exausta.

Enquanto isso, no seu antigo apartamento, agora despojado de quase tudo, ele fumava um cigarro à janela, sobre as luzes da cidade adormecida. Ela fazia-lhe falta. O cheiro do seu cabelo, o sorriso pela manhã, os beijos que lhe tiravam o ar e as conversas disparatadas daquela mulher tão segura mas doce.
Ele sabia que ela gostava dele, mas naquele momento isso não era suficiente. Precisava de mais, precisava de saber se fazia parte da vida dela ou se era apenas a pessoa com quem partilhava a casa, já que o tempo a dois era cada vez menor. Ele precisava de saber se ela estava disposta a inclui-lo na sua agenda, com letras grandes e caneta vermelha. E para isso resolveu dar-lhe tempo. Pareceu-lhe a atitude mais correcta. Queria acreditar que sim.
Quando se ia deitar (para descansar o corpo, porque a cabeça estava acelerada, demasiado até), encontrou um papel amarrotado no bolso das calças. Era o cartão que tinha colocado na mesa do restaurante, debaixo do guardanapo dela. Releu-o, não conseguiu evitar o aperto no peito, mas colocou-o no lixo. Naquele momento já não fazia sentido. Deitou-se.

Por agora ele queria esquecer. Ela adormeceu sem saber o que tinha perdido ou, pelo menos, adiado. O bilhete tinha apenas uma frase. Uma pergunta:
‘Queres casar comigo?’.


março '07

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